Em oito dias, a Justiça de Portugal por fim dará uma resposta definitiva a um caso de racismo de 2022. Em julho daquele ano, os filhos da empresária Giovanna Ewbank e do ator Bruno Gagliasso foram atacados verbalmente por Maria Adélia Barros, uma cidadã portuguesa. Para o Ministério Público, a mulher deve ser condenada e presa pelos crimes cometidos contra as crianças brasileiras.
As alegações finais dos envolvidos foram apresentadas nesta quarta (6), no Tribunal de Almada. Antes dessa audiência, houve outras duas: a primeira, como adiantou a BRASIL JÁ, ocorreu em 26 de setembro, quando a ré, testemunhas, Gagliasso e Ewbank prestaram depoimento. No dia 28 do mês seguinte, mais pessoas que presenciaram Maria Adélia insultando os filhos do casal brasileiro contaram suas versões em juízo.
Os atos criminosos de Maria Adélia ocorreram durante um entardecer de julho de 2022. A família brasileira aproveitava o verão em Portugal na praia de São João, na Costa da Caparica, quando as crianças foram vítimas da ré, posteriormente acusada pelo Ministério Público de dois crimes de injúria e dois crimes de difamação com publicidade e calúnia por motivações racistas.
“Vai para a tua terra! Estamos em Portugal, não queremos cá levar com estes brasileiros filhos da puta! Vocês não são portugueses! Voltem para o Brasil! Voltem para África! Saiam daqui! Viva Portugal!”, gritou Maria Adélia, segundo testemunhas.
Os que presenciaram os crimes deram mais detalhes sobre os fatos naquele entardecer. Disseram que Maria Adélia insultou, primeiro, empregados do bar onde estava a família brasileira, e que depois a mulher se dirigiu aos filhos do casal. “Num tom elevado e ameaçador”, ela se referiu às crianças como “pretos imundos” e afirmou que “Portugal não é lugar para pretos”.
Como o crime de racismo não está expressamente definido na lei portuguesa (saiba mais), a promotoria —seguida pela acusação da família Ewbank-Gagliasso— optou por deixar de fora da denúncia contra Maria Adélia de Barros o Artigo 240 do Código Penal, que trata de crime de discriminação e incitação ao ódio. O problema é que o enquadramento no artigo só é possível se o acusado tiver o intuito de dar publicidade ao ato.
Em outras palavras, se Maria Adélia tivesse gravado os próprios crimes e, por exemplo, publicado numa rede social, poderia então ser responsabilizada com base no Artigo 240. A estratégia dos promotores e da defesa, portanto, foi não incluir um artigo que, ao fim do processo, pudesse enfraquecer a acusação.
Em declaração à BRASIL JÁ, o advogado Rui Patrício, que representa as vítimas como acusação particular, defendeu a condenação da mulher.
"A arguida [como se denomina ré em Portugal] deve ser condenada por todos os crimes de que vem acusada, em pena de prisão, sendo que o mais importante é que as ofensas proferidas pela arguida não sejam desvalorizadas pelo estado de embriaguez alegado pela defesa, e, sobretudo, que sejam punidas pela sua motivação racista, xenófoba e discriminatória, especialmente porque dirigidas a crianças", afirmou.
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A embriaguez citada pelo advogado foi o argumento usado pela defesa de Maria Adélia para tentar evitar que ela vá para a cadeia. O advogado João José Brito, que defende a ré, disse em alegação final que a cliente é alcoólica e que não se lembrava de ter atacado os fiilhos de Ewbank e Gagliasso. Ele pediu que Maria Adélia fosse absolvida ou tivesse a pena atenuada e suspensa, acrescentando que uma internação para tratar o alcoolismo seria viável.
O Ministério Público e a acusação particular da família brasileira se alinharam ao pedir que Maria Adélia seja condenada. A procuradora à frente do caso, Marta Morgado, porém, considerou que a pena de prisão contra Maria Adélia pode ser suspensa desde que seja comprovado que a mulher é alcoólica e, ainda, que de fato ela seja tratada da doença —se isso for provado.
Já Rui Patrício e Catarina Morão, como acusação particular, frisaram à Justiça que a motivação e o teor racista das ofensas têm de ser levados em conta na punição imposta a Maria Adélia de Barros. Na audiência, Rui Patrício sugeriu que a pena de prisão fosse efetiva, isto é, que a mulher fosse de fato presa, ou que, em caso de suspensão, que isso ocorresse pelo tempo máximo previsto em lei e que fosse sujeito a algumas condições.
A acusação particular indicou as seguintes medidas como necessárias em caso de suspensão de pena:
- Que a ré pague uma idenização civil de 35 mil euros, que serão doados ao movimento SOS Racismo;
- Que a ré seja obrigada a fazer um curso de sensibilização e educação contra o racismo;
- Que a ré pague uma quantia adicional à indenização civil a mais uma associação contra o racismo;
- Que a ré faça trabalho voluntário na Comissão para a Igualdade.
Saudação a Salazar e ofensas a policiais
A BRASIL JÁ também revelou com exclusividade que no mesmo dia em que atacou as crianças brasileiras, Maria Adélia de Barros também evocou a figura do ditador António Salazar.
A referência ao tirano que comandou Portugal entre 1932 e 1968 — uma figura frequentemente evocada por extremistas de direita nostálgicos do regime — se deu na tarde daquele dia 30 de julho de 2022.
Além disso, a mulher também ofendeu policiais chamados para atender a ocorrência. Conduzida a uma viatura, Maria Adélia cuspiu na direção dos agentes e disse: "Filhos da puta. Vocês não são polícias, não são nada".
Um dos policiais foi acusado pela mulher de usar de drogas. "Andas a cheirar branca [cocaína], filho da puta. És um filho da puta. São corruptos. Vou acabar com a vossa profissão", ameaçou a Maria Adélia.
Na audiência mais recente em que se apresentaram as alegações finais, esse trecho da denúncia foi citado pela procuradora Marta Morgado como crimes sérios cometidos contra agentes da Guarda Nacional Republicana.